"Não é preciso explicar para ninguém o que está acontecendo hoje no mundo. A censura das gigantes da internet é escancarada e pode ser vista por todos".
Será que essa afirmação é verdadeira? Digo, é claro que as grandes corporações de tecnologia estão trabalhando para nos calar e para controlar o debate público, mas será que todo mundo de fato sabe disso? Será mesmo que não precisamos explicar para ninguém o que está acontecendo?
Volta e meia vejo pessoas ironizando quem diz o óbvio nas redes sociais, como se essas pessoas estivessem chovendo no molhado e repetindo constatações inúteis. O problema com essa forma de ironia é que, por mais engraçada que ela possa ser, ela reflete apenas uma mentalidade de bolha; uma forma de pensar que se assenta na crença, um tanto equivocada, de que todas as pessoas do mundo detêm uma determinada informação apenas porque essa informação já é conhecida pelos seus amigos pessoais e pelas pessoas que fazem parte do seu grupo de referência; ou seja, da mesma bolha que você e, neste caso, da bolha que é a direita conservadora brasileira.
Isso é um erro grave — e, na minha opinião pessoal, um dos erros mais graves que vêm sendo cometidos pela direita brasileira de um ano para cá.
Explico. Sempre que algum grande evento, algum fato político notório ou alguma polêmica pública ocorre, pessoas que normalmente não prestam atenção na política buscam informações sobre o assunto do momento. E isso é particularmente verdadeiro sobre assuntos polarizantes, como a censura nas redes sociais, o aborto e as particularidades relacionadas à crise sanitária do coronavírus.
Basta que você olhe para a sua família, para a sua vizinhança, para a sua escola, para sua faculdade ou para o seu trabalho para encontrar inúmeras pessoas que não sabem o que você sabe ou, ainda, que discordam de você.
Para essas pessoas é necessário explicar o bê-á-bá, repetir aquilo que há de mais básico sobre o assunto, e apresentar essa explicação da forma mais mastigada possível; de modo que ela possa ser facilmente digerida pelos recém chegados — e isso significa dizer o óbvio; mostrar as contradições da esquerda, apontar a hipocrisia dos nossos adversários e outras coisas que todo mundo no nosso campo já conhece.
Quando não fazemos isso, estamos entregando todos os os recém-chegados nas mãos dos nossos adversários, que não têm a arrogância e a impaciência da direita e que, por isso, repete a explicação das posições deles milhares de vezes.
Vejam: o que eu disse acima não significa que devemos fazer apenas isso.
É óbvio que também devemos agir e buscar meios e ações que nos possibilitem chegar a uma solução prática do problema, mas a palavra segue sendo a arma mais poderosa de qualquer movimento político — principalmente de movimentos políticos que, à semelhança da direita brasileira, não dispõem de outros instrumentos, como o domínio do processo legislativo, o controle de espaços na grande mídia, a existência de juízes neutros que possibilitem a ação judicial, etc.
A importância de não renunciarmos à palavra fica ainda mais evidente quando nos lembramos de um dos princípios mais essenciais da política contemporânea: nenhuma ação política tem ou pode ter eficácia a menos que seja precedida de uma vitória no debate público, no âmbito dos confrontos entre as narrativas, na esfera que pode conferir legitimidade e aceitação a essa ação.
Portanto, se vocês aceitam um conselho meu, não renunciem à palavra e tampouco a menosprezem. Não basta ter razão. Não basta estar certo. Não basta nem mesmo executar as ações necessárias para enfrentar um determinado problema. É necessário vencer a guerra de narrativas, convencer o maior número de pessoas possíveis e transformá-las em nossas aliadas; é necessário, em outras palavras, preparar o terreno para que a ação possa frutificar.
A ação é importante e deve ser perseguida e cobrada com veemência, mas até isso depende do uso eficaz, paciente e contínuo da palavra — pois a ação sem legitimidade é infrutífera ou, no máximo, performática.